18.9.10

As Quatro Ajudas (Parte 3)

Síntese da Yoga
Capítulo I
A Yoga dos Trabalhos Divinos: As Quatro Ajudas.
Parte 3


Comentários
Neste Fragmento Sri Aurobindo demonstra a ênfase dada a questão da nossa verdadeira liberdade. A Yoga é descrita em etapas e é levantado os perigos que surgirão para o aspirante. Em síntese temos:
1. Esforço: Um esforço em direção a uma inicial auto-transcendência e contato com o Divino.
• Enquanto o contato com o divino não está estabelecido, o elemento do esforço pessoal deve predominar.
• Na proporção que o contato se estabiliza, o sadhaka se torna consciente que uma força diferente do seu esforço e capacidade egoísta que está operando nele.
2. Entrega: A recepção daquilo que transcende em nós mesmo para uma transformação de toda nosso ser.
• A essa força ele aprende progressivamente a se submeter e entrega-se.
• No fim sua própria vontade e força vai se tornar una com esse elevado Poder.
• Ele se funde com a Vontade Divina e sua transcendente e universal Força.
• Ele observa daí em diante uma transformação de seu ser mental, vital e físico por uma imparcial sabedoria e providência, transformação que o desejo e o interesse do ego não seria capaz.
3. Serviço: A utilização de nossa natureza humana transformada como um centro divino no mundo.
• Quando a identificação e a fusão estão completas é que um centro divino no mundo está preparado.
• Purificado, liberado, plástico, iluminado, ele pode começar a servir como um meio de ação direta do Poder Supremo na grande Yoga da Humanidade, da progressão espiritual na terra ou de sua transformação.


[As três etapas da Yoga ou Sobre a Utsaha]
O desenvolvimento da experiência em sua rapidez, sua amplitude, intensidade e o poder dos seus resultados, depende principalmente, no início do caminho e muito tempo depois, na aspiração e esforço pessoal do sadhaka (1).
O processo da Yoga é uma mudança da alma humana de seu estado egoísta de consciência, absorvido nas aparências externas e nas atrações pelas coisas, para um estado mais elevado em que o Transcendente e Universal pode derramar-se em moldes individuais e transformá-los. O primeiro elemento determinante do siddhi (2) é, portanto, a intensidade da mudança, a força que dirige internamente alma. O poder de aspiração do coração, a força da vontade, a concentração da mente, a perseverança e a determinação da energia aplicada é a medida dessa intensidade. O sadhaka ideal deve ser capaz de dizer a frase bíblica: "O meu zelo para com o Senhor me devorou". É este zelo pelo Senhor, ― utsaha, o zelo de toda a natureza pelos seus divinos resultados, vyakulata, a ânsia do coração para a realização do divino, ― que devora o ego e rompe as limitações do seu pequeno e estreito molde para a recepção plena e ampla do que ele procura. O qual sendo universal, excede, e sendo transcendente, ultrapassa, mesmo o maior e mais elevado eu individual e a natureza.

Mas este é apenas um lado da força que trabalha para a perfeição. O processo de Yoga integral tem três fases, na verdade não são acentuadamente distintas ou separadas, mas em certa medida sucessivas. Deve haver, em primeiro lugar, o esforço em direção a pelo menos uma inicial e possível auto-transcendência e contato com o Divino; em seguida, a recepção daquilo que transcende, com o qual nós ganhamos a comunhão, em nós mesmos para a transformação de todo o nosso ser consciente; por último, a utilização da nossa humanidade transformada em um centro divino no mundo. Enquanto o contato com o Divino não está em algum grau considerávelmente estabelecido, enquanto não houver algum grau de identidade sustentável, sayujya, o elemento de esforço pessoal normalmente deve predominar. Mas na proporção em que este contato se estabelece, o sadhaka deve tornar-se consciente de que uma força diferente da sua, uma força que transcende o seu esforço e capacidade egoísta, está a trabalhar nele e para esse Poder ele aprende progressivamente a submeter-se e entregar a ele a responsabilidade de sua Yoga. No final, sua própria vontade e força se tornam una com esse elevado Poder; ele os funde na Vontade divina e sua transcendente e universal Força. Ele a encontra, daí em diante, presidindo sobre a transformação necessária do seu ser mental, vital e físico com uma sabedoria imparcial e efetiva providência, a qual o ego ansioso e interesseiro não é capaz. É quando essa identificação e essa fusão de si mesmo estão completas que o centro divino no mundo está pronto. Purificado, liberto, plástico, iluminado, ela pode começar a servir como um meio para a ação direta de um Poder supremo na Yoga maior da humanidade, ou super-humanidade, do progresso espiritual da Terra ou a sua transformação.

Na verdade sempre é esse elevado Poder que atua. O nosso senso de esforço pessoal e aspiração vem da tentativa da mente egoísta de identificar a sí própria em uma forma errada e imperfeita com os trabalhos da Força divina. Ela persiste em aplicar para experiências em um plano sobrenormal os termos comuns da mentalidade que é aplicada nas experiências normais no mundo. No mundo nós atuamos com o sentimento de egoísmo; nós reivindicamos que as forças universais que atuem em nós como se fossem nossas; nós reivindicamos como efeito da nossa vontade pessoal, sabedoria, força e virtude a seletiva, formativa e progressiva ação do Transcendente dentro dessa estrutura de mente, vida e corpo. A Iluminação nos traz o conhecimento de que o ego é apenas um instrumento; nós começamos a perceber e sentir que essas coisas são nossas no sentido de que eles pertencem ao nosso Ser supremo e integral, uno com o Transcendente, não com o ego-instrumento. Nossas limitações e distorções são nossa contribuição para o trabalho; o verdadeiro poder nele é o Divino. Quando o ego humano percebe que sua vontade é uma ferramenta, que sua sabedoria é ignorância e infantilidade, que seu poder é o tatear de uma criança, que sua virtude é uma impura pretenção, e então aprende a confiar a si próprio ao que lhe transcende, esta é a sua salvação. A aparente liberdade e auto-confiança do nosso eu pessoal, da qual nós estamos tão profundamente apegados, esconde a mais lamentável sujeição para milhares de sugestões, impulsos e forças que se fazem estranhas a nossa pequena pessoa. Nosso ego, gozando de liberdade, é a cada momento o escravo, brinquedos e marionete de seres incontáveis, poderes, forças, influências na Natureza universal. A abnegação do ego ao Divino é a sua auto-realização; a sua entrega para aquilo que o transcende é a sua libertação dos laços e dos limites e sua liberdade perfeita.

Mas ainda assim, no desenvolvimento prático, cada um dos três estágios tem a sua necessidade e utilidade e deve ser dado o seu tempo e seu lugar. Não funcionará, nem será seguro e eficaz começas sozinho com o último e mais elevado. Não seria o caminho certo, também, a pular prematuramente de um para outro. Pois mesmo se desde o início reconhecemos na mente e no coração o Supremo, ali estará elementos da natureza que por muito tempo impedirá a identificação que trará a realização. Mas sem realização nossa crença mental não pode se tornar uma realidade dinâmica; ela é apenas uma forma de conhecimento e não uma verdade viva, uma idéia, ainda não é um poder. E mesmo que tenha começado a realização, pode ser perigoso imaginar ou supor muito cedo que estamos totalmente nas mãos do Supremo ou que estamos atuando como seu instrumento. Essa suposição pode introduzir uma calamitosa falsidade; que pode produzir uma desamparada inércia ou ampliando os movimentos do ego com o Nome do Divino, desastrosamente pode distorcer e destruir todo o curso da Yoga. Existe um período, mais ou menos prolongado, de esforço e de luta interna em que o indivíduo tem de rejeitar a escuridão e as distorções da natureza inferior e colocar-se resolutamente e com veemência do lado da luz divina. As energias mentais, as emoções do coração, os desejos vitais, o próprio ser físico tem que ser obrigado a ter a atitude certa ou treinados para reconhecer e responder às influências certas. Somente então, apenas quando isto tenha sido verdadeiramente feito, que a entrega do inferior para o elevado pode ser feita, porque o sacrifício tornou-se aceitável.

A vontade pessoal do sadhaka tem que inicialmente apoderar-se das energias egoístas e desviá-las em direção à luz e ao correto; uma vez direcionadas, ele tem ainda que treiná-las a reconhecer isto sempre, sempre a aceitar, sempre seguir a isto. Progredindo, ele aprende, ainda usando a vontade pessoal, o esforço pessoal, as energias pessoais, em empregá-los como representantes do Poder superior e em obediência consciente a Influência superior. Progredindo ainda mais, a sua vontade, esforço e energia não mais serão pessoais e separadas, mas atividades do Poder e Influência superior no trabalho do indivíduo. Mas ainda há uma espécie de golfo ou distância que requer um processo obscuro de trânsito, nem sempre preciso, algumas vezes mesmo bastante distorcido, entre a Origem divina e a emergente corrente humana. Ao final do processo, com o desaparecimento progressivo do egoísmo, da impureza e da ignorância, essa última separação é removida; tudo no indivíduo se torna o trabalho divino.


(1) Sadhaka: Aspirante em busca da perfeição. Aquele quem pratica sadhana.
(2) Siddhi: Nesse contexto significa perfeição.


Retirado do livro: Synthesis of Yoga
Capítulo: The Yoga of Divine Works: The Four Aids.
pag. 58

Nenhum comentário: