17.9.10

Entrega de Si nos Trabalhos - O caminho do Gita (Parte 3)

Síntese da Yoga
Capítulo III
A Yoga dos Trabalhos Divinos: Entrega de Si nos trabalhos ― O Caminho do Gita.
Parte 3


Comentários
Nesse fragmento Sri Aurobindo fala sobre:
• A realização humana descrita pelo Gita: a liberdade dinâmica, e não só estática.
• O tema central se torna a questão da liberdade.
• Uma análise do que vem a ser o chamado livre-arbítrio.
• Busca-se compreender se a natureza de nossa liberdade.
• Inicia a busca pela compreensão do que vem a ser a verdadeira liberdade.
• É feito uma análise sobre o comportamento da mente, que nos leva a crer estamos no controle.
• Define-se o que vem a ser a verdadeira liberdade e como alcançá-la.


[Karmayoga no Gita ou Sobre a Liberdade]
O maior evangelho dos trabalhos espirituais dado à raça, o mais perfeito sistema de Karmayoga (1) conhecido pelo homem no passado, pode ser encontrada no Bhagavad
Gita. Nesse famoso episódio do Mahabharata as grandes linhas básicas da Karmayoga estão estabelecidas para todo o tempo com uma maestria incomparável e o olho infalível de uma experiência segura. É verdade que o caminho sozinho, como os antigos o viram, está plenamente desenvolvido: a perfeita realização, o maior segredo (2) é sugerido ao invés de desenvolvimento; Ele é mantido como parte não expressada de um mistério supremo. Há razões óbvias para esta reticência; pois a realização é, em qualquer caso, uma questão de experiência e nenhum ensino pode expressá-la. Ela não pode ser descrita de uma forma que possa realmente ser compreendida por uma mente que não teve a refulgente experiência transmutadora. E para a alma que tenha passado pelo brilhante portal e que permanece na chama da luz interior, toda a descrição mental e verbal é tão pobre como é supérflua, inadequada e impertinente. Toda a realização divina tem forçosamente que ser representada por nós em termos de uma linguagem inaptas e enganosa que foi feita para se ajustar as experiências normais do homem mental; assim expressa, ela somente pode ser corretamente compreendida por apenas por aqueles que já sabem, e, conhecendo, são capazes de dar a estes pobres termos externos uma mudança, interna e sentido transfigurado. Como o Rishis Védicos (3) insistia no começo, as palavras da sabedoria suprema são expressivas somente para aqueles que já conhecem seu estilo. O Gita na sua enigmática conclusão pode parecer pelo seu silêncio um breve fim para a solução pela qual estamos buscando; ele pára nas fronteiras da mente espiritual mais elevada e não a atravessa para os esplendores da Luz supramental. E ainda o segredo de sua dinâmica, e não apenas estática, identidade com a Presença interior, o seu mais elevado mistério de absoluta entrega ao guia Divino, Senhor e Habitante de nossa natureza, é o segredo central. Esta entrega é o meio indispensável para a mudança supramental e, novamente, é através da mudança supramental que a identidade dinâmica torna-se possível.

Quais são então as linhas de Karmayoga estabelecidas pela Gita? O seu princípio fundamental, o seu método espiritual, pode ser resumido como a união dos dois maiores e mais elevados estados ou atribuições da consciência, igualdade e unidade. O núcleo do método é a aceitação incondicional do Divino em nossa vida como no nosso ser interno e espírito. Uma renúncia interior do desejo pessoal leva a igualdade, realiza nossa entrega total a Deus, auxilia a libertação do ego dividido, a qual nos traz unidade. Mas essa deve ser uma unidade na força dinâmica, e não apenas na paz estática ou beatitude inativa. O Gita nos promete liberdade para o espírito, mesmo no meio das obras e na plena energia da Natureza, se nós aceitarmos a sujeição de todo o nosso ser ao que é superior à separação e à limitação do ego. Propõe uma integral atividade dinâmica fundada sobre uma passiva quietude; uma ação possivelmente maior baseada irrevogavelmente em uma calma imóvel é o seu segredo, ― Livre expressão a partir de um supremo silêncio interior.

Todas as coisas aqui são o uno, transcendente eterno indivisível e cósmico Brahman (4) que está em sua divida aparência nas coisas e criaturas; em aparência apenas, pois na verdade ele é sempre uno e igual em todas as coisas e criaturas, e a divisão é apenas um fenômeno de da superfície. Enquanto vivemos nas ignorantes aparências, nós somos o ego e estamos sujeitos aos modos da Natureza. Escravizados pelas aparências, limitados pelas dualidades, atirado entre o bem e o mal, pecado e virtude, tristeza e alegria, dor e prazer, boa sorte e má sorte, sucesso e fracasso, seguimos sem ajuda a ferro ou a ouro e ferro em volta da roda de Maya. Na melhor das hipóteses nós temos somente a pobre relativa liberdade a qual nós chamamos ignorantemente de livre-arbítrio. Mas esta é no fundo ilusória, visto que ela é o modo da Natureza se expressar através de nossa vontade pessoal; ela é a força da Natureza, agarrando-nos, não agarrada por nós, que determina o que vamos desejar e como vamos desejar isso. A Natureza, não um ego independente, escolhe qual o objeto que devemos procurar, quer por uma fundamentada vontade ou por um irrefletido impulso, em qualquer momento da nossa existência. Se, pelo contrário, vivemos na realidade unificadora de Brahman, então nós vamos além do ego e ultrapassamos a Natureza. Pois então vamos voltar ao nosso verdadeiro ser e nos tornamos o espírito; no espírito estamos acima dos impulsos da Natureza, superior aos seus modos e forças. Atingindo uma igualdade perfeita na alma, mente e coração, realizamos o nosso verdadeiro ser de unidade, uno com todos os seres, uno também com Aquilo que se expressa neles e em tudo o que vemos e experimentamos. Esta igualdade e esta unidade é a base gêmea indispensável que devemos estabelecer para um ser divino, uma consciência divina, uma ação divina. Sem unidade com tudo, não somos espirituais, não somos divinos. Sem igualdade de alma com todas as coisas, acontecimentos e criaturas nós não podemos ver espiritualmente, não podemos saber divinamente, não podemos sentir divinamente em direção aos outros. O Poder Supremo, o uno Eterno e Infinito é igual para todas as coisas e para todos os seres; e porque ele é igual, ele pode agir com sabedoria absoluta de acordo com a verdade de suas obras e sua força e de acordo com a verdade de cada coisa e de cada criatura.

Esta é também a única verdadeira liberdade possível para o homem ― uma liberdade que ele não pode ter a menos que ele supere sua separatividade mental e se torne a alma consciente na Natureza. O único livre-arbítrio no mundo é a Vontade divina da qual a natureza é a sua executora; pois ela é o mestre e a criadora de todas as outras vontades. O livre-arbítrio humano pode ser real em um sentido, mas, como todas as coisas que pertencem aos modos da natureza, é apenas relativamente real. A mente dirige em um turbilhão de forças naturais, balançando em um equilíbrio entre várias possibilidades, se inclina para um lado ou para outro, decide e tem o sentido de que escolhe: mas ela não vê, não é sequer vagamente ciente de que uma Força por trás é que determinou sua escolha. Ela não pode vê-la, porque essa Força é algo total e para nossos olhos indeterminado. As mentes, em sua maioria, só podem diferenciar, com uma abordagem clara e precisa, algo fora da complexa variedade de determinações particulares pela qual esta Força realiza seus incalculáveis propósitos. Parciais em si, a mente dirige uma parte da máquina, inconsciente de nove décimos das suas operações motoras no Tempo e no meio ambiente, inconsciente da sua preparação passada e tendências futuras; mas porque ela dirige, ela pensa que está controlando a máquina. Em certo sentido, ela planeja: porque a clara tendência da mente a que chamamos de nossa vontade, que firmemente se estabelece em uma inclinação que se apresenta a nós como uma escolha deliberada, é um dos determinantes mais poderosos da Natureza; mas nunca é independente e exclusivo. Por detrás deste pequeno instrumento de ação da vontade humana está algo vasto, poderoso e eterno, que supervisiona a tendência de inclinação e pressiona a mudança de direção da vontade. Há uma Verdade total na natureza maior que a nossa escolha individual. E nesta Verdade total, ou mesmo para além e por trás dela, existe algo que determina todos os resultados; a sua presença e conhecimento secretos mantêm-se firmemente no processo de percepção da Natureza, uma dinâmica, quase automática percepção das corretas relações, as necessidades variáveis ou persistentes, as etapas inevitáveis do movimento. Há uma secreta Vontade divina eterna e infinita, onisciente e onipotente, que se manifesta na universalidade e em cada particular de todas as coisas aparentemente temporais e finitas ou inconscientes ou semi-conscientes. Este é o Poder ou Presença entendida no Gita quando ele fala do Senhor dentro do coração de toda existência, que gira todas as criaturas como se presas em uma máquina pela ilusão da Natureza.

Esta Vontade divina não é um Poder ou Presença alheia; é íntima para nós e nós mesmos somos parte dela: pois ela é o nosso Ser mais elevado que nos possui e apóia. Porém, não é nossa vontade mental consciente; ela rejeita muitas vezes o que a nossa vontade consciente aceita e aceita o que a nossa vontade consciente rejeita. Por enquanto esse Alguém secreto conhece tudo, cada conjunto e cada detalhe, a nossa mente superficial conhece apenas uma pequena parte das coisas. Nossa vontade é consciente na mente e o que ela sabe, sabe somente pelo pensamento; a Vontade divina é superconsciente para nós porque é na sua essência supra-mental e ele sabe tudo, porque é tudo. Nosso Ser mais elevado, que possui e suporta esse Poder universal, não é o nosso ego, não é a nossa natureza pessoal; é algo transcendente e universal no qual estas pequenas coisas são somente espuma e uma fluida superfície. Se nós entregarmos nossa vontade consciente e permitir que ela se torne una com a vontade do Eterno, então, e só então, poderemos alcançar uma verdadeira liberdade; Vivendo na liberdade divina, nós não devemos nos deixam apegar a esta algema chamada de livre-arbítrio, uma ignorante liberdade de fantoche, ilusória, relativa, limitada pelo erro de seus próprios motivos vitais e formas mentais inadequadas.


(1) Karmayoga: Yoga da Ação; Praticar as obras sem apego aos seus frutos; Reta ação.
(2) rahasyam uttamam
(3) Rishis Védicos: Sábios relacionados com os Vedas, conjunto de escrituras sagradas hindu.
(4) Brahman: A Realidade divina, "O Um além do qual não há nada mais existe";


Retirada do livro: Synthesis of Yoga,
Capítula: The Yoga of Divine Works: Self-Surrender in Works ― The Way of Gita.
pag. 94

Um comentário:

Augusto disse...

A tradução dos primeiros parágrafos não está de fácil compreensão. Caso ache algum erro, ficaria feliz em poder ser avisado!